A Delinquência Disfarçada de Protesto: A Invasão ao Itaú e o Limite da Conivência Social

A imagem é simbólica, mas o simbolismo é vazio diante do árbitro. Na manhã do dia 3 de julho de 2025, a sede do banco Itaú, no coração financeiro da capital paulista, foi invadida por militantes sob o pretexto de uma “reivindicação política legítima”. Com gritos coreografados e bandeiras empunhadas como armas morais, promoções de manifestantes ligados a movimentos sociais como o MTST e a Frente Povo Sem Medo transgrediram limites legais, ultrapassaram o espaço da crítica pública e adentraram o território da criminalidade pura e simples.

A ação, embora anunciada como importação por seus organizadores, não pode e não deve ser tratada com a leniência de quem vê em toda a abordagem uma nova forma de engajamento democrático. O que se viu naquela manhã foi um ato de violência simbólica contra uma instituição privada, que ainda não teve culminado em danos financeiros irreparáveis, maculou o princípio da legalidade e representou um desrespeito direto ao direito de propriedade. Houve invasão. Houve ameaça. Houve constrangimento. E houve crime.

Neste momento de fragilidade institucional, onde a democracia ainda tenta respirar livremente após os espaços autoritários do passado recente, a Justiça e as forças policiais precisam, com mais firmeza do que nunca, reafirmar o monopólio legítimo da legalidade. Não há espaço para relativizações. Não há brechas para interpretações complacentes. Os responsáveis ​​por essa invasão precisam ser identificados, processados ​​e responsabilizados — com o rigor que se espera de uma nação que ainda crê no Estado de Direito.

Vandalismo político não é ativismo

Durante anos, parte da esquerda brasileira tratou com desdém qualquer ato de insurgência protagonizado pela direita, particularmente os que culminaram nos eventos de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas bolsonaristas planejaram sabotar as instituições da República. E estavam certos ao crítico. Aquilo foi uma tentativa de golpe. Um ataque direto às sedes dos Três Poderes. Uma frente explícita ao pacto constitucional. Mas essa mesma régua — justa e necessária — deve ser aplicada quando o desrespeito à ordem parte de qualquer outro espectro político. O crime, ainda que travestido de “protesto legítimo”, continua sendo crime.

Há uma diferença fundamental entre protestar e invadir. Entre criticar e coagir. Entre se manifestar nas ruas e forçar a entrada em prédios de instituições privadas, constrangendo funcionários, desprezando seguranças e afrontando normas mínimas de convivência. É inaceitável que o vandalismo seja relativizado só porque se veste com as cores “certas”. Isso não é luta social. Isso é delinquência — e como tal deve ser tratado.

A seletividade da indignação e a falácia da narrativa

Foi curioso notar que, logo após o ocorrido, diversas vozes da direita política, especialmente aquelas alinhadas ao bolsonarismo, correram às redes para denunciar o “dois pesos e duas medidas” das autoridades. “Cadê a PF?”, perguntavam. “Se fossem os nossos, estariam todos presos”, berravam. Ainda que muitas dessas vozes não possuíssem autoridade moral para clamar por isonomia — afinal, seguem justificando a depredação das sedes dos Poderes como um “ato de revolta legítima” — é impossível ignorar que, neste caso, a carrega um fundo de verdade.

A aplicação da lei não pode ser seletiva. Não pode ser ideológico. Não pode oscilar conforme o perfil sociológico do agressor ou a conveniência partidária de quem ocupa os palácios de governo. Se há um vídeo, há uma identificação. Se houver invasão, há flagrante. Se há crime, deve haver responsabilização. Tão simples quanto isso.

O Brasil precisa, com urgência, reverter essa cultura de impunidade que vem, lentamente, corroendo a percepção de justiça da população. Quando os cidadãos observam que determinados grupos gozam de uma imunidade tácita — seja pela cor da bandeira que carregam ou pelo apoio velado de figuras políticas — o tecido democrático se esgarça. E quando esse tecido rasga, o que emerge é o cinismo, a descrição e a anomia.

Diferenças fundamentais com os atos do dia 8 de janeiro

É necessário — e intelectualmente honesto — afirmar que há distinções importantes entre o que ocorreu na sede do Itaú e o que se viu em Brasília em janeiro de 2023. A começar pela motivação: os invasores da Faria Lima não pretendem derrubar o governo, nem atacar a Constituição, nem exigir militar. Seu gesto foi um protesto contra a concentração de renda e a suposta leniência do Estado brasileiro com os grandes bancos.

Mas a diferença de motivação não exime da responsabilidade. A distinção entre um ataque ao patrimônio público com fins golpistas e um ataque ao patrimônio privado com fins redistributivos não muda o fato essencial: ambos são evidentes da ordem legal. Ambos são crimes. Ambos exigem resposta do Estado.

O artigo 150 do Código Penal Brasileiro é claro ao tipificar a violação de domicílio — conceito que, segundo reiterada proteção, abarca o interior de estabelecimentos privados. A depender da conduta, ainda é possível vislumbrar os tipos do artigo 147 (ameaça), 146 (constrangimento ilegal), e 163 (dano qualificado, se houver variações ao patrimônio). Isso sem falar de responsabilização cível e administrativa.

A leniência é o caminho mais curto para a desordem

Não há como sustentar uma democracia funcional se atos de violência ou intimidação forem naturalizados como componentes do jogo político. Nenhuma sociedade livre se construiu à base do medo, da invasão ou do constrangimento. E, acima de tudo, nenhuma justiça pode sobreviver à impunidade seletiva.

A resposta a esse episódio precisa ser exemplar. Não no sentido de proteção desmedida ou de caça às bruxas — mas no sentido de relembrar, com firmeza, que o Estado de Direito é o único solo possível sobre o que pode plantar a mudança social. Não se avança socialmente subvertendo a ordem legal, mas com razão usando a lei como ferramenta de transformação legítima. O ativismo que ignora a legalidade torna-se tirania. A luta que desrespeita os meios se transforma em desordem.

Um chamado à Justiça e à Polícia

Que fique claro: este não é um artigo contra o direito à manifestação, contra os movimentos sociais, ou contra pautas redistributivas. Pelo contrário — é em defesa da liberdade que se exige responsabilidade. É em defesa do protesto legítimo que se condena o vandalismo oportunista. É em nome da democracia que se clama pelo cumprimento estrito da lei.

É hora da Polícia Civil de São Paulo agir com transparência e firmeza. É hora do Ministério Público abrir investigações formais. É hora da mídia deixar de tratar o episódio como mera “ocupação simbólica” e considerar seu caráter ilícito. É hora da sociedade civil cobrar, com veemência, que todos os envolvidos sejam identificados, processados ​​e, se condenados, punidos com base no devido processo legal.

Cada passo fora da legalidade que não está contido — ou pior, é romantizado — é um degrau a menos na escada da civilidade. E o Brasil já tropeçou o suficiente.

Considerações finais

A democracia é um bem frágil, um fio tênue entre a ordem e o caos. Defendê-la não é apenas rechaçar os extremismos de direita ou esquerda, mas rejeitar todos os caminhos que buscam o atalho da violência ou da ilegalidade para acelerar mudanças que deveriam ser buscadas pelo voto, pela lei e pelo diálogo.

Que os invasores da sede do Itaú respondam como qualquer outro cidadão responderia ao invadir uma agência bancária, ainda que sem armas, ainda que sem quebra-quebra. A simples entrada não autorizada em um espaço privado, com intenção de coagir ou protestar sob ameaça simbólica, já é, por si, uma afronta às leis.

E que isso serve de alerta a todos os atores políticos: a democracia se protege punindo com justiça, não relativizando com medo.

Escrito por Guemberg Campos

Graduado em Direito e especialista em Direito Constitucional e Perícia Digital. MBA em Gestão Pública Municipal, Segurança da Informação. Competências Gerenciais.

Please follow and like us:
Pin Share

Compartilhe

Facebook
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais comentadas

Get The Latest Updates

Envie-nos um email

Não aceitamos spam

Categories

.

Mais notícias