A recente determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), exigindo que a plataforma de vídeos Rumble indique um representante legal no Brasil e armazene dados de usuários sob risco de bloqueio, reacendeu um debate global sobre os limites da liberdade de expressão, a soberania jurídica e os choques entre sistemas legais e culturais antagônicos. O caso, que inclui uma ação judicial da Rumble contra Moraes nos EUA, expõe tensões entre a Primeira Emenda Constitucional americana e a legislação brasileira, especialmente a Lei de Segurança Nacional, o Marco Civil da Internet e a ADC 51.
A Primeira Emenda Americana vs. a Legislação Brasileira: Dois Mundos, Dois Fundamentos
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda é quase sagrada: garante liberdade de expressão ampla, com exceções restritas (como incitação à violência iminente). Plataformas como a Rumble e a rede social de Donald Trump, Truth Social, operam sob essa lógica, resistindo a interferências estatais em conteúdo. A Rumble, em sua ação contra Moraes, alega que as exigências do ministro violam direitos constitucionais americanos, incluindo a liberdade de empresa e expressão.
No Brasil, a Constituição de 1988 também assegura liberdade de expressão (Art. 5º), mas com ressalvas. A Lei de Segurança Nacional (Lei 14.197/2021) criminaliza condutas que “coloquem em risco a integridade nacional”, e o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) permite a remoção judicial de conteúdo ofensivo ou ilegal. Além disso, a ADC 51, aprovada pelo STF em 2021, autoriza o Judiciário brasileiro a requisitar dados diretamente de empresas estrangeiras, sem necessidade de carta rogatória.
Para Moraes, a exigência de um representante local e o armazenamento de dados são medidas necessárias para combater discursos antidemocráticos e crimes digitais. Para a Rumble, é censura disfarçada de segurança.
Convenção de Budapeste e ADC 51: Cooperação ou Soberania?
A Convenção de Budapeste, tratado internacional sobre cibercrimes do qual o Brasil é signatário desde 2023 (Decreto 11.491), prevê cooperação entre países para investigações. No entanto, os EUA, embora signatários, não ratificaram o acordo, criando um vácuo jurídico. A ADC 51 surge como uma resposta brasileira a essa lacuna, permitindo que autoridades locais contornem mecanismos lentos de cooperação internacional.
O problema é que a ADC 51 colide com a jurisdição americana. Empresas como a Rumble argumentam que cumprir ordens brasileiras as obrigaria a violar leis dos EUA, especialmente se dados de usuários americanos forem solicitados. A tensão reflete um conflito maior: até onde um país pode impor suas leis a empresas estrangeiras?
Cultura Jurídica: Segurança Coletiva vs. Liberdade Individual
O embate transcende o jurídico e mergulha no cultural. O sistema americano prioriza a liberdade individual como pilar democrático, enquanto o Brasil, em contextos recentes de polarização e ataques às instituições, reforça mecanismos de controle em nome da “segurança coletiva”.
A postura de Moraes é emblemática: como relator de inquéritos sobre fake news e ataques à democracia, ele utiliza ferramentas como o Marco Civil e a Lei de Segurança Nacional para remover conteúdo e responsabilizar plataformas. Nos EUA, mesmo discursos considerados perigosos são protegidos até que ultrapassem limites estreitos (como no caso Brandenburg v. Ohio).
Direito Comparado e Soberania: Quem Decide?
O direito internacional reconhece a soberania estatal, mas plataformas globais operam em um limbo. Para o Brasil, a ADC 51 é um exercício legítimo de soberania para proteger instituições. Para os EUA, é uma intromissão em empresas sob sua jurisdição.
A Rumble tenta inverter o jogo: ao processar Moraes nos EUA, alega que o ministro violou a Lei de Proteção a Privacidade Eletrônica (ECPA) ao acessar dados sem autorização. O caso testará se tribunais americanos podem julgar autoridades estrangeiras por decisões em seus próprios países — um precedente arriscado para a soberania global.
Conclusão: Um Mundo Sem Fronteiras, Leis Com Fronteiras
O conflito entre Moraes e a Rumble ilustra os desafios de regular a internet em um mundo interconectado. Enquanto os EUA defendem uma internet livre de interferências estatais, o Brasil prioriza o controle em nome da ordem pública. A ADC 51 e a Convenção de Budapeste tentam preencher lacunas, mas a ausência de consenso internacional deixa empresas encurraladas entre legislações antagônicas.
A solução exigirá diálogo multilateral, mas, por ora, prevalece a máxima: onde há soberania, há divergência. A pergunta que fica é se a governança digital do futuro será moldada por valores universais ou por um mosaico de leis nacionais em eterno conflito.
Fontes Consultadas
- Olhar Digital — Moraes determina que Rumble indique um representante legal no Brasil
- InfoMoney — Caso Rumble: Moraes pode suspender no Brasil plataforma que o processou nos EUA
- Poder360 — Leia a íntegra da ação do Rumble contra Moraes nos EUA
- Lei de Segurança Nacional (Lei 14.197/2021) — Texto completo
- Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) — Explicação e texto completo
- STF — ADC 51 — Briefing sobre a ADC 51
- Convenção de Budapeste — Decreto de Promulgação (Decreto 11.491/2023)
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Muito obrigado.